Sai de casa cedo. Geralmente durante a viagem para Lisboa vejo o FB e alguns grupos sobre temas que me interessam. Num grupo sobre a tiróide, alguém angustiado, partilhava que 7 anos após o primeiro tratamento com iodo, ia voltar a repetir por suspeita de metástases. Segui para a clínica onde ia fazer uns exames de rotina. Enquanto esperava a minha vez, começaram a dar nas televisões imagens de Saint-Denis. O que se passa não é muito diferente dum cancro, pensei: a França tem um cancro. O cancro é como um ataque terrorista; é inesperado, destrói vidas, destrói famílias, rezamos que acabe, queremos que passe, quando acaba sabemos que pode voltar a acontecer de novo, mas não sabemos quando, nem onde. Pode ser em qualquer lado.
Os exames de rotina são um sufoco até a médica dizer as palavrinhas mágicas:"Não vejo nada suspeito." Sai da clínica e segui para o trabalho. No trabalho comentava-se a recuperação duma colega e um vídeo partilhado no FB, onde ela muito magra se arranjava e levantava com ajuda dum familiar. Não consegui falar muito sobre o assunto, para dizer a verdade também não quis, há dias em que uma coisa qualquer me leva a evitar diálogos quando eles envolvem a palavra cancro. Hoje era um desses dias. É a minha sanidade mental em jogo, chamem-lhe egoísmo ou o que quiserem.
Hoje um amigo fez mais uma sessão de quimioterapia. Hoje uma amiga que já teve cancro disse-me que está com um problema de saúde e tem receio que ele possa ter reaparecido noutro órgão. Não é por ter tido um cancro que sei as palavras certas para dizer aos meus amigos. Gostava tanto de saber mas, não sei. Sei o que é a angústia, os compassos de espera, as reviravoltas... Sei o que é acordar cada dia sem saber muito bem o que nos vai acontecer, sorrir quando tantas vezes nos apetece desabar mas, cada um de nós sente as coisas à sua maneira, por isso, não, eu não sei as palavras certas para confortar alguém com cancro. Às vezes não sei sequer as palavras certas para me confortar a mim mesma.
Hoje sinto-me tão cansada, tão cansada, mas a verdade é que já tive dias piores. O meu dia acabou com um electrocardiograma. Havia uma suspeita de que o meu coração poderia não estar a funcionar bem, mas foi falso alarme. Não sei se já disse, mas detesto exames de rotina.
O meu dia acabou e aquilo que retive é que o cancro é como um ataque terrorista e temos de aprender a fazer como os parisienses: Viver nos intervalos.
Para a Susana, que lutou contra o "terrorismo" até † 04-02-2016
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