quinta-feira, 1 de julho de 2021

A minha vida tem uma banda sonora

Porque adoro música, a minha vida tem sempre uma banda sonora. Hoje depois de esperar mais de uma hora, na sala de exame onde entrei, o radio estava ligado e tocava Foo Fighters. Em cada exame sinto-me sempre o Astérix: basicamente, só tenho medo de que o céu me caia em cima da cabeça; um céu que se parte como um espelho, que se precipita em cima de mim com milhares de estilhaços que me trespassam. O que é posso esperar dum corpo com uma capacidade absurda de sobreviver mas que, ironicamente já me quis matar?

Every day waiting for the sky to fall

Big crash on a world that's so small
Just a boy with nowhere left to go
Fell in love with a voice on the radio
Is there more to this than that?

Foo Fighters - Waiting On A War

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Sou um aglomerado


De histórias, pensamentos e emoções. Meus e dos outros que se cruzam comigo.






terça-feira, 28 de novembro de 2017

Ninguém merece...

Ontem fui ver a minha amiga C. ao hospital. Tenho ido sempre que posso desde que foi internada no dia 7 de Novembro nos cuidados paliativos. Ontem quando cheguei para a visitar, acompanhada de outra amiga dela, encontramo-la desesperada e cheia de dores. Tinha o telefone na mão, e queria ligar à médica oncologista. Desorientada com as dores, não conseguia encontrar o número na agenda do telefone.
"-Ainda bem que chegaram, ainda bem que chegaram. Preciso de falar com a minha médica, ela prometeu-me que eu não ia ter dores e eu estou cheia de dores..." Deu-me o telefone, encontrei o número e ela ligou. A médica atendeu:
"- Doutora, ajude-me por favor... a doutora prometeu-me que eu não ia ter dores e eu estou cheia de dores..." - as lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo e eu continha a custo as minhas.
Chamamos a enfermeira e em pouco tempo a C. estava rodeada pelo médico, enfermeiro, auxiliar. Passaram-na do cadeirão para a cama e ajustaram a dose. A morfina ainda demorou a fazer efeito e ela cheia de dores questionava o médico: "Porque é que a eutanásia não é legal? Porque é que temos de sofrer? Doutor ajude-me, eu quero morrer! Esta dor é tão forte, esta dor é azul escura, é quase preta, doutor..." Choramingava. O médico falava com ela com voz tranquila. Ela foi-se acalmando. O médico fazia-lhe festas no cabelo, chamava-lhe "minha querida" e dava-lhe beijinhos na testa.
Há uma ternura imensa na equipa que lida com a minha amiga; das auxiliares, às enfermeiras e médicos, todos são duma generosidade emocional incrível. Não poupam nas drogas, nem no afecto.
Deixei o médico sair  e disse-lhe baixinho: "- És tramada... arranjaste maneira de dar um abracinho ao médico." Consegui arrancar-lhe um sorriso. No meio das dores, a minha amiga ainda sorri. Deixei a com a familia que tinha entretanto chegado e sai para tentar apanhar o médico no corredor. Quando o vi passar abordei-o: "- Doutor, como se chama?" Acho que, quando tratamos as pessoas pelo nome elas prestam mais atenção ao que dizemos.
"- Diego."
"- Doutor Diego, por favor ponha a minha amiga a dormir. Ponha-a inconsciente para ela não sentir mais nada, por favor."
Não lhe pedi: "Mate-a." mas acho que lhe pedi com os olhos "Ajude-a a morrer."
Há uma altura em que deixamos de pedir a cura porque sabemos que já não é possível, e passamos a pedir que a morte seja suave.

sábado, 25 de novembro de 2017

A vacina

Bati-me várias vezes com a minha oncologista sobre este tema: "Cada um de nós é um individuo único, porque é que os protocolos de quimioterapia são standard? Porque é que não é adaptado a cada pessoa? Como é que vocês sabem que isto me vai curar?"
 "Não sabemos. Sabemos que a maioria dos tumores reage a este cocktail."
"Tenho mesmo de fazer isto?"
"Tem."
E eu murmurava:"Mas eu não sou standard... eu sou... diferente..." 
Quando se inicia a quimioterapia dá-se mais um salto de fé. Acredita-se que aquilo pode dar certo. Avança-se para um tratamento que vai virar o nosso corpo e a nossa vida do avesso, sem certezas de que ele vai resultar mas, acreditanto que vai.
Pede-se a todos os santinhos disponíveis para que o cirurgião que nos operou tenha retirado o tumor e todas as metástases visiveis e invisiveis. Em grande parte dos cancros, a cirurgia é o passo mais importante; é muitas vezes a cura. A quimioterapia actua como um preventivo de reocurrência da doença. Quando ficam metásteses, por muito pequenas que sejam, dependendo do tipo de cancro e dos quimicos que existem para as controlar, o fim pode ser só uma questão de tempo.
Uma vacina personalizada que se conjuga com imunoterapia vem abrir novos caminhos muito mais amplos. A cura para alguns já não vem a tempo mas, para outros está cada vez mais perto.

  Vacina personalizada contra o cancro

domingo, 19 de novembro de 2017

Viver nos intervalos

Texto escrito a 18-11-2015, pouco depois dos ataques terroristas de 13-11 em Paris e Saint Dennis.

Sai de casa cedo. Geralmente durante a viagem para Lisboa vejo o FB e alguns grupos sobre temas que me interessam. Num grupo sobre a tiróide, alguém angustiado, partilhava que 7 anos após o primeiro tratamento com iodo, ia voltar a repetir por suspeita de metástases. Segui para a clínica onde ia fazer uns exames de rotina. Enquanto esperava a minha vez, começaram a dar nas televisões imagens de Saint-Denis. O que se passa não é muito diferente dum cancro, pensei: a França tem um cancro. O cancro é como um ataque terrorista; é inesperado, destrói vidas, destrói famílias, rezamos que acabe, queremos que passe, quando acaba sabemos que pode voltar a acontecer de novo, mas não sabemos quando, nem onde. Pode ser em qualquer lado. 

Os exames de rotina são um sufoco até a médica dizer as palavrinhas mágicas:"Não vejo nada suspeito." Sai da clínica e segui para o trabalho. No trabalho comentava-se a recuperação duma colega e um vídeo partilhado no FB, onde ela muito magra se arranjava e levantava com ajuda dum familiar. Não consegui falar muito sobre o assunto, para dizer a verdade também não quis, há dias em que uma coisa qualquer me leva a evitar diálogos quando eles envolvem a palavra cancro. Hoje era um desses dias. É a minha sanidade mental em jogo, chamem-lhe egoísmo ou o que quiserem. 

Hoje um amigo fez mais uma sessão de quimioterapia. Hoje uma amiga que já teve cancro disse-me que está com um problema de saúde e tem receio que ele possa ter reaparecido noutro órgão. Não é por ter tido um cancro que sei as palavras certas para dizer aos meus amigos. Gostava tanto de saber mas, não sei. Sei o que é a angústia, os compassos de espera, as reviravoltas... Sei o que é acordar cada dia sem saber muito bem o que nos vai acontecer, sorrir quando tantas vezes nos apetece desabar mas, cada um de nós sente as coisas à sua maneira, por isso, não, eu não sei as palavras certas para confortar alguém com cancro. Às vezes não sei sequer as palavras certas para me confortar a mim mesma. 


Hoje sinto-me tão cansada, tão cansada, mas a verdade é que já tive dias piores. O meu dia acabou com um electrocardiograma. Havia uma suspeita de que o meu coração poderia não estar a funcionar bem, mas foi falso alarme. Não sei se já disse, mas detesto exames de rotina. 


O meu dia acabou e aquilo que retive é que o cancro é como um ataque terrorista e temos de aprender a fazer como os parisienses: Viver nos intervalos.


Para a Susana, que lutou contra o "terrorismo" até  † 04-02-2016