Ontem fui ver a minha amiga C. ao hospital. Tenho ido sempre que posso desde que foi internada no dia 7 de Novembro nos cuidados paliativos. Ontem quando cheguei para a visitar, acompanhada de outra amiga dela, encontramo-la desesperada e cheia de dores. Tinha o telefone na mão, e queria ligar à médica oncologista. Desorientada com as dores, não conseguia encontrar o número na agenda do telefone.
"-Ainda bem que chegaram, ainda bem que chegaram. Preciso de falar com a minha médica, ela prometeu-me que eu não ia ter dores e eu estou cheia de dores..." Deu-me o telefone, encontrei o número e ela ligou. A médica atendeu:
"- Doutora, ajude-me por favor... a doutora prometeu-me que eu não ia ter dores e eu estou cheia de dores..." - as lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo e eu continha a custo as minhas.
Chamamos a enfermeira e em pouco tempo a C. estava rodeada pelo médico, enfermeiro, auxiliar. Passaram-na do cadeirão para a cama e ajustaram a dose. A morfina ainda demorou a fazer efeito e ela cheia de dores questionava o médico: "Porque é que a eutanásia não é legal? Porque é que temos de sofrer? Doutor ajude-me, eu quero morrer! Esta dor é tão forte, esta dor é azul escura, é quase preta, doutor..." Choramingava. O médico falava com ela com voz tranquila. Ela foi-se acalmando. O médico fazia-lhe festas no cabelo, chamava-lhe "minha querida" e dava-lhe beijinhos na testa.
Há uma ternura imensa na equipa que lida com a minha amiga; das auxiliares, às enfermeiras e médicos, todos são duma generosidade emocional incrível. Não poupam nas drogas, nem no afecto.
Deixei o médico sair e disse-lhe baixinho: "- És tramada... arranjaste maneira de dar um abracinho ao médico." Consegui arrancar-lhe um sorriso. No meio das dores, a minha amiga ainda sorri. Deixei a com a familia que tinha entretanto chegado e sai para tentar apanhar o médico no corredor. Quando o vi passar abordei-o: "- Doutor, como se chama?" Acho que, quando tratamos as pessoas pelo nome elas prestam mais atenção ao que dizemos.
"- Diego."
"- Doutor Diego, por favor ponha a minha amiga a dormir. Ponha-a inconsciente para ela não sentir mais nada, por favor."
Não lhe pedi: "Mate-a." mas acho que lhe pedi com os olhos "Ajude-a a morrer."
Há uma altura em que deixamos de pedir a cura porque sabemos que já não é possível, e passamos a pedir que a morte seja suave.