quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A cabra da minha ex-mulher agora é minha amiga

A vida dá voltas e às vezes... a cabra da minha ex-mulher é agora minha amiga, pelo meu amigo P.F.

As relações são mesmo complicadas ou somos nós que complicamos?


(Notícias Magazine, 25 de Julho de 2010)

Um homem e uma mulher conversam numa festa em que se encontram por acaso. Vistos ao longe, dir-se-ia que se conhecem bem. Falam com calma, descontraídos, fazem caretas para melhor exprimir o que querem dizer, dão gargalhadas, enchem o copo de vinho um do outro. Ninguém sabe o que dizem, mas a cumplicidade é notória. Não há carícias, toques de pele, beijos ou olhares de lascívia. Não há tensão sexual ou desejo à flor da pele. Apenas um entendimento latente que é capaz de dispensar palavras. Se alguém estivesse perto, talvez os ouvisse a completar as frases um do outro. Aproxima-se outro casal. Conhecem a mulher, já a tinham visto, mas não queriam interromper a conversa que parecia tão encaminhada para qualquer lado. Cumprimentam-na. E ela apresenta o interlocutor: “O Zé, o meu ex-marido.”

Ficaram surpreendidos? Aquele casal ficou. Se a situação é possível? Claro que sim. E devem conhecer alguém (ou alguém que conhece alguém) que tem uma relação destas com o/a ex. Possivelmente são casos raros. Ou não. As informações do INE não vão tão longe e as sondagens de opinião não costumam versar por estes temas. Mas este é um nível possível de atingir com o ex-marido ou a ex-namorada. Outro é o «nem te posso ver à frente, desaparece e vai morrer longe, imbecil». Não são necessariamente hierarquizados. São apenas diferentes.

Manter uma sã convivência com uma pessoa com quem se partilhou a cama, a mesa, as contas e as consoadas durante alguns anos não é pêra doce. Mas também ninguém disse que tinha de ser. Aliás, ninguém disse que é preciso manter uma convivência, sequer, muito menos sã. A não ser que haja filhos pelo meio. Nesse caso, engolem-se os batráquio que tiverem de se engolir.

Mas admitindo que as pessoas se respeitam, que têm orgulho no tempo que partilharam e que gostavam de continuar a contar com aquela voz do outro lado do telefone, há uma coisa que talvez faça sentido: garantir o período de ressaca depois do fim da relação. Isto pode implicar mudar de casa, mudar de restaurante preferido, mudar de cidade ou mudar de amigos. Podem ser semanas, meses ou anos. Pouco importa o que é preciso fazer para chegar lá. O que importa é conseguirmos dar a nós próprios o tempo e o espaço necessários para viver tudo o que é normal. Entre a frustração, a raiva, a incompreensão e a falta de luz ao fundo do túnel, há um nunca mais acabar de sensações que importa… sentir. Para voltar a dar espaço a todas as outras. E, já agora, para conseguir explicar à nova namorada que a presença da ex não afecta minimamente.

«Não espere (…) que das ruínas de uma relação se levante um oásis. Muito menos, que uma sucessão de desilusões se transfigure num sonho lindo», escreve o psicólogo Eduardo Sá, em Tudo o Que o Amor Não É. «Dê tempo aos sentimentos para que se sedimentem. Não tanto para que perdoe a quem o magoou. Mas – mais difícil, certamente – para se perdoar a si próprio por não ter “dado ouvidos” aos avisos do seu “coração” Que, depois do adeus, terão ressurgido (…) e que vos terão dado uma “massagem cardíaca” de um “ódio de estimação” (rico em adrenalina) que sossegou alguns remorsos.» É certo que nem todas as relações acabam mal. Algumas acabam, apenas. E nem sempre há um «culpado» e uma «vítima». Mas seja como for, é boa ideia dar algum tempo para que a presença do outro volte a ser confortável. Sem azedume ou «ainda gosto de ti e é difícil estar no mesmo sítio que tu» escondidos por baixo da capa da amizade.

Como em tudo o mais que faz a nossa vida, cada pessoa reage de forma individual e não há duas ex-namoradas iguais. Por isso é possível que nem toda a gente precise deste tempo de pós-operatório para os órgãos das emoções voltarem ao lugar. Se for o seu caso, parabéns. Nós, os outros todos, invejamos isso.

by Paulo Farinha

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